O sono, por exemplo: trata-se de um grande mistério cotidiano.
Sonhando, visitamos a alcova de uma certa beleza adormecida. Eis aí um mistério engastado em outro, de um modo que nenhum joalheiro desperto poderia fazer com tanto engenho - o que, obviamente, não impede ninguém de tentar, sendo esse, a nosso ver, o modo como nasce uma grande parte das jóias que há no mundo desperto. E que nos faz indagar: com que sonha uma beleza adormecida? Fazemos essa pergunta sem nenhuma esperança de resposta, um pouco por despeito, um pouco para demonstrar que nem a psicanálise nem o feminismo conseguiram estragar inteiramente este mundo.
Mas é preciso ir em frente, impulsionados pela correnteza sutil que nos permite bailar em volta de tudo que não compreendemos, visitando as cidades que foram apenas imaginadas e buscadas - jamais palmilhadas. E são esses não-lugares que afloram, em certos momentos, quando vagamos, acordados, pelas ruas das cidades que construímos. É por causa dessas cidades sonhadas que enfrentamos a solidez do mundo desperto. Para que elas tenham janelas dando para uma alcova que receba o espectro cansado, inclinado sobre o leito da beleza adormecida.
E estremecemos quando a luz adentra inexorável, expulsando o sono - incitando-nos a viver, viver, viver.
[Los Labios]
Um comentário:
Belíssimo texto!
Meus parabéns!
Leandra
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