quarta-feira, 4 de maio de 2011

Elogio ao Ócio

                                                    
Elogio ao Ócio

Por que não conseguimos ficar sem fazer nada? A maior parte das coisas que dizemos e fazemos é inútil. São palavras de meu velho amigo Mário, um homem sábio do interior. Imagino que ele tenha se inspirado, nessa frase de imensa sabedoria, em Sêneca, seu filósofo predileto. Imagino, não. Tenho certeza. Mário sempre gostou de citar expressões deliciosamente ferinas de Sêneca relativas à idéia do esforço em vão, do suor vertido por nada ou quase nada. Uma delas: agitação estéril. Outra: preguiça excitada.

Lembro-me de ouvir Mário contar que Sêneca comparava as ações inúteis ao trabalho das formigas que descem e sobem o tronco da árvore sem nenhum propósito. Prometi a ele que, se um dia vencer minha preguiça invicta de ler filósofos, minha escolha de leitura será Sêneca. Enquanto isso me sirvo das palavras transmitidas por meu amigo.


Olho para o espelho e concordo: quase tudo o que faço e digo não serve para nada. E, no entanto sinto dificuldade em deixar as atividades sem razão ou utilidade. Penso que isso acontece com quase todo mundo. Uma dificuldade poderosa de ficar sem fazer nada. Simplesmente contemplando as coisas. Refletir sobre nós mesmos. Não nos permitimos o ócio. Pegar uma sessão das 2 no meio da semana. Tomar um sorvete na praça no meio da tarde. Ou simplesmente fechar os olhos e pensar. Estamos sempre fugindo de nós mesmos. Fugindo de nós mesmos: claro que essa frase de gênio não é minha.

Parecer ocupado é considerado importante, mais do que estar mesmo ocupado. Na vida corporativa, isso chega a extremos de comédia. Li numa revista que uma empresa de recolocação de executivos desempregados arruma para eles escritório e secretária para que simulem atividade. (E fujam de si mesmos, ocorre-me). Soube que as empresas fazem planos de cinco a dez anos. As coisas mudam tanto, o tempo inteiro: faz sentido planejar um futuro distante? Estarão vivos os planejadores? Estarão vivas as premissas nas quais os planos se basearam? Suspeito que tudo isto se encaixe no que Sêneca chamou de agitação estéril.

Sou uma escritora barata. Não tenho carteira de trabalho. Mas gostaria de lembrar uma frase preferida de Mário, que fez uma longa, boa e pacata carreira num banco estatal. Um sagaz e sincero observador da condição humana ouviu-o dizer mais de uma vez: “Dez coisas que as pessoas fazem no trabalho, nove são geralmente inúteis. A décima costuma ser uma bobagem. Digo isto com base nas coisas que eu mesmo fiz”. Exagerado, grandiloqüente, provavelmente. Mas será que é tão distante assim da realidade?

Esqueça agora mesmo a empresa. Seu tempo é livre? Pois então você se sente compelido interiormente a ocupá-lo. Você pega o celular e telefona a 1ª pessoa que venha à mente, mesmo que não tenha o que dizer. Ou então se instá-la em frente ao computador e entra e sai de chats. Você sobe a escada. Depois desce. Todos nós fazemos isto. Subimos escadas  e descemos como as formigas de Sêneca. Sem propósito. Apenas porque não conseguimos ficar sozinhos com nós mesmos.

Registro aqui o Elogio do Ócio, numa época de tantos movimentos por nada, de tanta agitação sem nexo. E penso, comovida, numa canção de John  Lennon. Ouço-a mentalmente. Watching The Wheels. Olhando para as rodas. Ele dizia que as pessoas estranhavam vê-lo sentado, de olho nas rodas dos carros que passavam e passavam. “Apenas gosto de vê-las girar”, disse John. John Lennon nesse momento foi tão sábio quanto meu amigo Mário, quanto Sêneca, quanto todos aqueles que se insurgem contra a fuga automática e neurótica de si mesmos.

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